Vazios, mas Úteis

É meio estranho quando não se tem nada.
Quando se dá conta dessa verdade, há uma revolta que se apodera de nós. Ficamos revoltados, não percebemos porque é que isso nos acontece. Porque temos de ser nós a não ter nada? Chegamos até a ser egoístas, perguntando-nos porque não poderá ser outro a não ter nada? Porque tínhamos de ser nós a vivermos vazios de significado?

A revolta é um processo, um estado de alma, que faz parte do ser humano. Faz parte de nós Homens, zangar-mo-nos connosco próprios, principalmente quando não conseguimos aceitar o que nos está a acontecer. O problema é que a revolta leva-nos, quase sempre, a tomar decisões estúpidas. Ou então ficamos parados à espera de que ela passe.

É desesperante viver sem nada, principalmente se tivermos a tendência de pensar no futuro. O que serei eu no futuro sem nada? O que vou fazer só? Não tenho nada que ambicionar, não tenho ninguém a quem cuidar, não tenho ninguém que me ampare. Sim. Todos precisamos de amparo. Somos um ser social, temos a necessidade de partilhar com o outro. Se nada temos, como vamos fazer se chegarmos a velhinhos? É assustador. Ao mesmo tempo que esperamos que a revolta passe, temos estas questões que nos aterrorizam.

Nesse estado podemos não pensar. Na realidade, mais vale não pensar no que aí vem. É sempre tudo tão triste e aterrador que ao não pensarmos nisso ao menos estamos a proteger-nos. Não temos ninguém que nos possa proteger de nós mesmos, por isso temos de ser nós a proteger-mo-nos. E pronto. Chegamos a um ponto: não vamos pensar no futuro.

Quando não pensamos nos anos que estão por vir, a revolta diminui um pouco. E, depois, podemos estabelecer naquilo que não nos queremos tornar... Quando se é solitário, podemos ter a tendência de nos tornarmos em pessoas egocêntricas, que não pensam em ninguém, pessoas aborrecidas, pessoas que incomodam constantemente os outros, pessoas sem princípios. Se nos apercebermos desse perigo, podemos escolher trabalharmos para sermos o oposto disso. Podemos não ter nada, mas isso não significa que nos tornemos em seres desprezíveis. Precisamente, por não termos nada, sabemos que isso é terrível, por isso deveríamos fazer o que estiver ao nosso alcance para que quem está à nossa volta lute sempre por algo. Já estaremos a fazer algo de útil.

Quando finalmente vemos alguém que nos rodeia a ter aquilo que é o mais importante na
vida, o amor, ficamos orgulhosos até. É bom sentir um pouco de bom orgulho: é um alívio misturado com contentamento, por vermos alguém que nos rodeia a amar e a ser amado, com um futuro cheio de coisas boas, vibrantes e emocionantes para viver. E pensarmos que pelo menos não fizemos nada que impedisse que isso acontecesse. Então se soubermos que fizemos algo para que isso acontecesse, então esse orgulho é ainda maior. Como se... Como se fosse uma escultura que criamos e que agora está concluída. A nossa "obra" terminou, agora temos de ter a certeza de que esta ficará sempre na sua forma original. Se por alguma razão cair, ajudaremos a recuperá-la.

É um pouco isso que pode ajudar a quem não tem nada a não se tornar num autómato, ou completamente vazio de alegria. Isso seria ainda mais terrível. E se estivermos sempre a trabalhar para que os outros nunca saibam o que é isto de nada ter, o tempo vai passando, vai passando, vai passando, até a revolta se esvair.

Um dia acordamos e apercebemo-nos de que a revolta já não está lá, o que é um descanso. Acreditem, é mesmo um descanso estar sem aquele sentimento de ansiedade, de zanga, de sobressalto. Como estamos mais descansados e não pensamos no futuro podemos viver mais tranquilos.

Agarra-mo-nos a coisas de que gostamos, um bom livro, uma boa música, um bom filme, histórias que nos apaixonam e assim vamos andando pela vida, com o propósito de não prejudicar ninguém e, se possível, ajudar alguém. Ajudar alguém a encontrar o que precisa para ser feliz, sem medos de amar e ser amado.

Se encontrarmos alguém que ainda tem esperança de ter algo então devemos ajudá-lo a nunca perder essa esperança. Quando esta se perde é, de facto, para sempre. Então, temos de agarrar nessa pessoa e dar-lhe a conhecer histórias e exemplos que lhe permitam continuar a acreditar. Concerteza que isso será meio caminho andando para ter algo na sua vida, que o vai fazer continuar e ser melhor. E nós estaremos lá a ver como mais um conseguiu agarrar a vida e ter algo. Como quando se abre a gaiola de um pássaro que agora está pronto para a vida lá fora. Vamos vê-lo em liberdade e a voar confiante no futuro. Não será fácil. Mesmo para quem tem algo a vida também é difícil, sempre com novos desafios, mas vão conseguir seguir sempre em frente porque quem se consegue libertar do vazio vai conseguir ultrapassar tudo.

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