A Mínima Função de Viver
Sentada no canto da sala, ela pensava que ali se podia proteger. Proteger-se de tudo
aquilo que estava à sua volta, da sua realidade, das pessoas, mas, acima de tudo, proteger-se de si própria.
Ela não tinha pedido nada daquilo. Ela não tinha pedido envolver-se em nada daquilo. Ela não tinha feito nada para que isso acontecesse... Ela não se tinha forçado a ouvir aquela voz. Simplesmente, aconteceu, sem nenhuma causa ou plano prévio.
Porém, agora, ali estava ela, sentada no chão, a rezar para não ceder. Para não ceder ao impulso de lhe falar novamente. Para não ceder ao impulso que a levasse a ouvir aquela voz.
Essa luta contra os seus impulsos tinha-se tornado na sua batalha diária. Ela sabia que eram mais as vezes que perdia do que ganhava... Mas ela gostava tanto de ouvir a tal voz... Aquela voz forte, descontraída e confiante. Aquela voz que a fazia acreditar que estava numa outra vida, que era possível almejar uma outra vida.
Quando cedia a esses impulsos, no momento em que finalmente ouvia a voz dele, ela sentia-se tão feliz. Um formigueirozinho tomava conta do seu corpo e o coração acelerava. Era tão bom sentir aquele entusiasmo, aquela adrenalina, ver aquela cor que dava outro sentido à função de viver... Era tudo tão bom que, por aqueles breves minutos, ela esquecia-se de tudo o resto.
Assim que o deixava de ouvir, vinha até si o embate com a realidade. E aí percebia o quão ridícula que estava a ser. Como era possível ela deixar-se levar por um impulso irracional cujo resultado final iria ser sempre o mesmo: uma dor solitária...
Ela sabia porque é que não conseguia parar. Sempre tinha sido acompanhada pela solidão e, agora, que experimentava aquilo que era não estar sozinha, fazia-a toldar o seu pensamento... Fazia-a acreditar que era possível viver uma outra vida cheia de histórias e de amor... Era tudo tão maravilhoso que a fazia ser irracional. Era simples - a possível perspectiva de sentir sempre esse calor. levava-a a cometer erros. Várias vezes.
Estar assim era quase como que uma droga. Ouvi-lo era um vício. Ela tinha de ouvi-lo para se sentir viva.
Como todos os vícios, o fim nunca é bom. Quando se chega ao ponto de ruptura, ao ponto do adeus, ao ponto de nos despedirmos a dor é sempre mais forte do que nós mesmos. Ela não era diferente. O resultado será simples: ela vai fechar-se ainda mais sobre a sua dor.
Ouvir aquela voz fazia com que ela sentisse que o sangue tinha voltado a correr na suas veias... Mas de que vale isso se o fim é sempre o mesmo?
O fim é sempre igual a este: ela, sentada num canto da sala, a abraçar-se a si própria e a desejar que todos sejam felizes, que ele seja genuinamente feliz. Quase como se a sua infelicidade, significasse a felicidade dele... Se assim fosse a sua solidão não seria completamente inútil. Pelo menos, era assim que ela gostava de pensar, para que pudesse suportar esta mínima função de viver.
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