Deixar de Sentir
A vida corre como sempre. Pessoas que se amontoam numa plataforma, para depois num ápice desaparecerem dentro das carruagens do comboio que agora aparece. Dentro de um minuto tudo vai voltar a acontecer. As pessoas vão voltar a juntar-se naquela plataforma à espera de mais um comboio. Enquanto estou sentada, fazendo também parte desse amontado de gente, olho para alguns deles e penso: será que todos eles são conscientes? Todos eles têm o que querem? Todos eles cumpriram os seus sonhos ou, pelo menos, tentam alcançá-los?
É estranho pensar que o resto do mundo pode ser igual a nós, seres vazios de propósitos, seres embebidos na rotina, seres que não sentem. Ou que, pelo menos, não querem sentir. Chega a ser angustiante. Podemos mandar no nosso cérebro e dizer-lhe vezes sem conta: não quero sentir, não quero sentir, não quero sentir. Tantas vezes que o dizemos a nós próprios que pensamos que já nos convencemos. Que já formatámos, por completo, aquilo que somos.
Mas, sem estarmos à espera, numa situação perfeitamente comum, sentimos algo. Sentimos carinho,
sentimos compaixão, sentimos amor. Esse sentimento único que parece tão simples, mas que ao mesmo tempo é tão arrebatador. Tão incompreensível, tão puro e tão ingénuo, mas que ao menos tempo tem uma vontade própria que nem consegue dominar. Podemos sentir esse amor quando olhamos para algo que nos faz sonhar... Sonhar uma realidade diferente, com alguém distinto, onde não existem medos, nem modelos a seguir... Onde pudéssemos, apenas, dar-nos um ao outro. Assim. Sem pré-requisitos, sem regras, sem expectativas. Onde nós pudéssemos aproveitar-mo-nos um ou outro.
Porém, da mesma maneira simples com que voltamos a experimentar esses sentimentos, também voltamos à realidade onde estamos. À nossa realidade que não nos permite sentir, ou melhor, à nossa realidade com a qual seria mais fácil de lidar se não sentíssemos. E, precisamente, por termos consciência disso, voltamos a dizer a nós próprios: não sintas, não sintas, não sintas. Sê fria. Sê realista. Não esperes nada de ninguém. Não esperes nada do futuro. Não esperes e não sintas.
E é tão difícil. É difícil porque, inevitavelmente, a nossa cabeça leva-nos sempre a imaginar algo de diferente. Sempre. Por mais que saibamos que nada vai mudar, que nunca iremos sair de onde estamos. Que nunca o iremos encontrar. As vidas são outras, as vidas são diferentes umas das outras.
Então, queremos desesperadamente arranjar um limbo... Queremos desesperadamente encontrar uma forma de não sentir, mas também de não sermos uns autênticos animais. E, como é que isso se faz? Como é que isso se faz sem sofrimento?
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