Qualquer Dia Alguém a Levará Daqui

Ela abre os olhos. Tal como faz todas as manhãs.
"Mais uma...", pensa ela. Mais uma manhã em que ela está viva, apenas ciente desse facto pelo coração que continua a bater.

Pisca os olhos uma...
Duas...
Três vezes. Um outro dia que começa, que apenas segue a sequência ditada pelo planeta e pelo calendário.

Ela esfrega os olhos.
O barulho que ouve fá-la perceber que são horas. Olha para o relógio na mesinha de cabeceira e, de facto, são horas de se levantar. Ela não precisa de muito tempo para se arranjar. Tudo está onde tem de estar e quase que os seus movimentos são automáticos. Em pouco tempo está arranjada.

Sai de casa.
Seja o calor do Verão ou o frio do Inverno, como é o caso, além do coração que continua a bater, são duas das coisas que fazem com que ela se aperceba de que está viva.

Hoje está realmente frio e ela sente-o. Parece que se entranha nos seus ossos e, por instantes, aqueles que levam a que o corpo se habitue, ela treme. É desconfortável, mas, é também a oportunidade de sentir algo. De sentir algo que a leva a agir: a andar mais rápido, a esfregar as mãos, a apertar ainda mais o cachecol contra o seu pescoço. São estas pequenas coisas às quais ela aprendeu a dar atenção. Pouco lhe desperta o interesse além destes pequenos gestos que tem de fazer para deixar de se sentir desconfortável com a temperatura exterior.

Durante todo o dia tudo passa como deve passar.
Todos sorriem. Ela também, novamente, num instinto mecânico. No local de trabalho todos têm de conviver. Não há razão para criar mau ambiente demonstrando sempre a sua verdadeira cara, aquela de quem nada sente.

Ela apenas se deixa ir com a corrente.

Por qualquer razão, há um outro pequeno gesto que a faz despertar a atenção. A música. Por isso, ela decide ligar o rádio quando chega a casa, colocando os phones, já que aquele é um momento só seu e ela não quer partilhar isso com mais ninguém.

E, aquela canção, em particular faz com que as lágrimas venham aos seus olhos. "Eu vou levar-te para onde a escuridão dos céus se abre, para algum lugar mais alto do que aqui"*. É isto que ela entende quando corre para conhecer a letra do tema. Quando, finalmente, a descobre por inteiro, ela chora. Chora sem parar. Naqueles simples versos está o que ela mais anseia. Que alguém ou algo a leve daqui, que possa terminar, definitivamente, com o seu sofrimento, a sua angústia, a sua frustração, a sua incapacidade de sentir. Chora porque nada mais tem a esperar da vida que não seja que alguém a leve daqui... para longe das suas incapacidades, para longe dos seus falhanços, para longe de todas as desilusões. Para longe de todos os seus erros, para longe daqueles que a magoam, para longe da sua solidão.

Ela ouve a canção mais uma vez, e, naquele momento, ela acredita que isso pode existir mesmo... Ou que, pelo menos, alguém já esteve ou está como ela.

Ela respira fundo.

Subitamente, sente-se tão cansada. Olha para o lado e não tem ninguém que a possa abraçar durante a noite, que lhe diga que tudo vai ficar bem. Ela nunca teve isso... e já muito dificilmente  consegue imaginar como poderá ter isso... Como pode ser a pureza dessa sensação.

Então, ela deita-se, abraça-se a si própria e deixa as lágrimas escorrerem pelo seu rosto. Eventualmente, o cansaço do choro toma conta de si e ela adormece.

Ela abre os olhos. Tal como faz todas as manhãs.
"Mais uma...", pensa ela. Mais uma manhã em que ela está viva, apenas ciente desse facto pelo coração que continua a bater.
Pisca os olhos uma... duas... três vezes. Um outro dia que começa, que apenas segue a sequência ditada pelo planeta e pelo calendário.
Ela esfrega os olhos. O barulho que ouve fá-la perceber que são horas. Olha para o relógio na mesinha de cabeceira e, de facto, são horas de se levantar.
Ela não precisa de muito tempo para se arranjar. Tudo está onde tem de estar e quase que os seus movimentos são automáticos. Em pouco tempo está arranjada.
Sai de casa.

Hoje está menos frio do que ontem. Isso também é bom... É algo de diferente.
Faz toda a sua rotina diária, vai para o trabalho e regressa a casa. 

Porém, hoje, ela também esteve diferente, porque quis acreditar... Ela quer acreditar naquelas palavras que tiveram consigo desde o dia anterior: que algo ou alguém a levará daqui. Para um sítio muito mais alto. Para longe, onde possa, finalmente, descansar e voltar a sentir e a conhecer a harmonia.
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*tradução livre do verso
"I’m gonna to take you where the dark skies clear
Somewhere higher
Higher than here"

Tema: "Higher Than Here" de James Morrison

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