A Obrigação de o Fazer

Quão chata e deprimente pode ser uma vida em que a maioria das coisas que se faz é por obrigação?

Esta pergunta surge no meu pensamento mais vezes do que aquelas que queria. Continuo sem obter uma resposta, porque, na verdade, grande parte do dia a dia de uma pessoa é gerido pelas obrigações. Existem ocasiões em que pouco nos importamos com isso. No entanto, existem outras em que não conseguimos parar de nos importar com isso. Principalmente, se não encontrarmos gosto nas coisas que fazem parte do nosso quotidiano. 

"Como Catarina gostava de ouvir música. Era aquilo que mais gostava de fazer. Escutar música fazia com que ela pudesse sonhar. Imaginar outra vida, ir mais além, estar noutros locais ao mesmo tempo. Era uma das poucas coisas que a levava a esquecer tudo o que estava à sua volta. Porém, essa era uma coisa que não podia fazer sempre que queria. O trabalho não o permitia e muitas vezes as preocupações com que chegava a casa não a deixavam descansar e dar-lhe espaço mental para ouvir as suas canções preferidas, mais do que isso, cantá-las. Mas cantá-las com a maior consciência daquilo que estava a dizer. 

Desde que se levantava até se deitar a maior parte do seu tempo era passado a fazer coisas que TINHA de fazer. TINHA de se levantar a certas horas, comer certas coisas (não podia alimentar-se de tudo o quanto lhe apetecia. Isso também tinha de ser controlado diariamente), sair a certas horas de casa. No caminho até ao seu local de trabalho TINHA de estar atenta a tudo e mais alguma coisa. Com o seu jeito nato para conduzir, a mínima distracção podia levá-la a um acidente. Mais do que medo de se magoar, tinha medo de provocar algo grave a outras pessoas. Não gostava de conduzir, mas sabia que TINHA de fazê-lo. Aqui podia ouvir as suas músicas favoritas, mas raramente lhes prestava a devida atenção.

Frequentemente, pensava na sua infância. Quando ouvia toda a gente à sua volta dizer que um dos segredos para se ser feliz é fazer aquilo que se gosta. Porque se assim for nunca encararemos tudo como uma obrigação. Na sua pequenez, Catarina ouvia aquelas palavras com atenção, mas não lhes atribuía grande significado. Agora na fase adulta entendia perfeitamente o verdadeiro sentido deste conselho. Entendia-o todos os dias e a todas as horas. Aquilo que fazia também trazia coisas boas, como um salário e algumas amizades verdadeiras. Mas, o próprio ofício em si deixava-a louca. Louca e desmotivada. Com a mesma facilidade com que entendeu as palavras que ouvia na infância, Catarina também percebeu que seguir aquele conselho só era possível se tivesse um objectivo de vida. Se tivesse algo que quisesse fazer: um trabalho diferente, numa outra área, ou não. Isso, na verdade, não era o mais importante. Aquilo que era crucial era ter uma ideia de outro ofício que queria seguir. É a mesma coisa de quando se quer mudar de casa. Sabemos que temos de sair, mas não temos para onde. Por isso, é preferivel continuar no mesmo sítio, do que ir viver para a rua. E era exactaente isso que Catarina fazia: sem objectivos de vida, ela TINHA de se manter naquele ofício. Os trabalhos também têm obrigações: TEM DE SE FAZER isto ou aquilo, TEM DE SE AGIR assim ou assado,
TEM DE SE FALAR desta forma ou de outra. A desmotivação provocava também em Catarina a OBRIGAÇÃO de se motivar. O que acabava por ser impossível, porque a motivação não aparece por obrgação, muito pelo contrário.

Ao final do dia, quando finalmente chegava a casa, Catarina TINHA também de chegar a certas horas e NÃO DIZER certas coisas. Algumas acções executava porque a sua consciência o dizia para o fazer. Mas essa obrigações eram encaradas de outra forma. 

Já depois de jantar, em alguns dias, Catarina podia então fazer coisas de que gostava e quase sempre a música vinha em primeiro lugar. Aí não TINHA de fazer mais nada. Apenas deixava a sua imaginação voar. Pelo menos até ao próximo dia."

A história de Catarina faz-me pensar. Quando se vagueia sem nenhum objectivo pelo qual valha a pena lutar é porque todas as circunstâncias levam a isso, como a personalidade e as vivências de cada um. Navegar sem rumo pode ser perigoso porque o medo de se perder e não encontrar o caminho de volta ao ponto de partida é o mais provável. Se não há ponto de chegada, mais vale não nos desviarmos muito do nosso ponto de partida. E é aí que começam as obrigações, o Fazer porque tem de Ser.

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