O Vírus do Futuro Incerto

Primeiro dia em casa por obrigação e dever. Quem me conhece sabe que não sou uma pessoa de lamurias, de stress evidente, sempre com aquela missão, que faz parte do meu carácter: manter a calma. 

No início de tudo isto do coronavírus fui como a maioria das pessoas: "isso não chega cá. Se chegar cá há-de ser uma coisa tipo gripe A". Pensei que tinha mais do que tempo disponível para continuar a fazer a minha vida do costume. A minha rotina. E como eu estava a precisar de rotinas, de ocupar a cabeça. Uma viagem marcada, trabalhos agendados, saídas combinadas.

Em poucos dias tudo mudou. Tudo ficou incerto. Tudo o que tinha como adquirido para os próximos meses foi, simplesmente, cancelado. As pessoas começaram a ficar em casa, as ruas vazias, os cafés quase sem clientes, o trânsito com muito menos tráfego. 

"Lena, não andes de transportes públicos. Leva o carro da empresa" - disseram-me vezes sem conta e, realmente, pareceu-me uma boa medida preventiva. Se tinha esta opção não podia dizer que não. Lá comecei a usar o carro todos os dias, desde a passada sexta-feira. Sim. Eu que detesto conduzir, lá cedi.

Em poucos dias apercebo-me que, realmente, estava perante uma realidade desconhecida, algo que
nunca tínhamos vivido. De repente, foi como se o mais certo que o futuro trouxesse fosse o incerto. Tudo começou a desenhar-se para um desenho inacabado, do qual nada se consegue entender. A nossa realidade hoje é apenas um rabisco no papel que nada nos diz, que não nos dá nenhuma luz daquilo que será a obra final.

Fiz coisas que nunca tinha feito (estar em filas à porta das grandes superfícies, usar máscaras, colocar desinfectante constante, ver prateleiras vazias) e vi coisas que nunca tinha visto. Algumas delas que eu sei que nunca me irei esquecer. Porque existem certas esferas da nossa sociedade que, atualmente, estão a passar por algo com o qual não sabem lidar. Não há horizonte. As empresas, as pessoas não sabem o que vão fazer a seguir. Essa impossibilidade de perspectivar o futuro é atroz. Há casos em que o que vai restar de tudo isto pode ser, simplesmente, zero. Nada. 

Entendo que haja esse desespero. Eu também o sinto. Luta-se tanto por algo durante anos a fio, ultrapassam-se obstáculos, reinventa-mo-nos, seguimos em frente, novas ideias, novos problemas, novas soluções. A cabeça sempre a trabalhar porque acreditamos naquilo que queremos. Porém, perante um fenómeno como este, a certeza de que vamos seguir em frente desvanece-se no ar porque isso não depende só de nós. Do nosso carácter ou da nossa força de trabalho. Não, depende de muito mais.

Esta sensação de incerteza é como se nos deixassem sem chão. Mas também somos capazes de encontrar pequenas grandes coisas que nos demonstram que, apesar de tudo, há constantes na nossa vida: ter o carinho dos nossos amigos e família, uma canção, dançar, aquela pessoa que nos sorri sempre na nossa rua... enfim. São essas constantes que nos vão ajudar a continuar a acreditar.

É claro que eu continuo a acreditar que tudo vai passar. Sempre foi assim. E do fundo do coração que acredito que vamos ser capazes de ultrapassar tudo o que está a acontecer. Acredito no país, nas comunidades, mas também acredito em cada um de nós. Cada um de nós, mesmo com os problemas que já tinha, vai encontrar a força necessária para ultrapassar tudo isto, para depois voltar a erguer-se. Forte.

Se formos capazes de sobreviver a isto vamos ser capazes de fazer qualquer coisa no futuro.
Se eu conseguir ultrapassar tudo o que está a acontecer que, confesso, vem numa altura em que já não andava bem, terei a certeza de que serei capaz de tudo.

Não terá toda esta crise esse propósito? O de pôr à prova aquilo que somos, a nossa resiliência, a nossa capacidade de lidar com o que nos atormenta, para que no fim sejamos mais fortes e tenhamos a capacidade necessária para enfrentar as consequências de tudo isto (que ninguém consegue prever)?

Acredito que sim. Ao fim do primeiro dia de quarentena continuo com a mesma crença. Vamos ver daqui a quinze dias. 

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