Há Vida para Além do Estrela?

Um ano.
Muitas ponderações.
Uma tomada de decisão.

Quando, em Janeiro deste ano, decidi iniciar este projecto estava longe de pensar naquilo que este se viria a tornar. Estava longe de pensar o caminho que este iria percorrer. Estava longe de pensar qual seria o seu resultado final.

A ideia inicial era simples: fazer uma reportagem alargada sobre o Estrela da Amadora. Afinal de contas, o clube faria 85 anos, em 2017, caso ainda existisse. Planeava falar apenas com três ou quatro pessoas, que me pudessem contar a história do clube e testemunhar a final da taça de Portugal em 90, por exemplo. 

Mesmo para realizar uma simples reportagem, era preciso ter alguma base histórica. Quando comecei a ler e a falar com algumas pessoas, senti aquele entusiasmo que nos faz sonhar. Mas sabia que tinha de ter calma e paciência até porque o tempo que dispunha não era muito... tempo para o trabalho e para fazer o trabalho. 

Apesar de tudo isso, considerei que podia ser interessante incluir registos de sócios, fotografias ou vídeos. Encontrar uma história engraçada de adepto, que sempre existem, e pensei: porque não deixar um apelo nas redes sociais? Daí chegaram algumas pessoas, duas delas que viriam a ser fundamentais para o trabalho: João dos Santos Silva e Tóni. Ao ouvi-los e ao ver aquelas fotografias antigas dos anos 50/60/70, começou a surgir o fascínio. Ainda mais quando tenho nas mãos uma camisola dos anos 50... Simplesmente, único.

Os contactos sucederam-se. A partir daqui vieram mais até que cheguei à pessoa que se revelou peça essencial para eu começar a pensar nesta loucura de "documentário". Outra vez. Mesmo depois de ter reafirmado, vezes sem conta, que o documentário que tinha realizado há dois anos tinha sido o último.

Foi quando conheci Joaquim Rebelo - Quim para os amigos, Rebelo para os amantes do futebol - que a intenção mudou. Depois do primeiro encontro, percebi que era um homem rico em história e em material que poderia usar no trabalho: cassetes de vídeo, fotografias,  recortes de jornais. Depois da primeira visita a sua casa e de lhe "levar emprestadas" algumas das coisas, depois de analisar os primeiros dossiers que trouxe comigo, eu sabia que era preciso fazer algo de diferente. Tudo ficou ainda mais claro quando voltei ao contacto com ele e solicitei mais registos que ele tinha guardados.

Entretanto, os outros contactos que já tinha estabelecido começaram a colher frutos. A ida ao Núcleo de Veteranos, que me receberam de forma aberta e simpática, foi fulcral. A eles, muito obrigado. Local onde foi possível recolher mais alguns nomes e de onde veio o de Pedro Simões, último capitão de referência do Estrela da Amadora.

Se antes tinha já a ideia de que o trabalho não poderia ficar apenas por uma mera reportagem, aqui tive a certeza de que era preciso "alargar" o tempo. A ligação, a vivência e a história de Pedro ao Estrela da Amadora era tão rica que, tal como a de Rebelo, por si só, dava um belo trabalho jornalístico. Estava "tramada". Sabia que não podia ficar um trabalho superficial.

Mas quando António França me dispõe de contactos, aos quais nunca imaginei chegar, aí sabia, com toda a certeza, de que estava perante um documentário: Jorge Andrade, João Alves, Paulo Bento... Era impossível não me redimir à evidência de mais uma loucura como esta. 

Mas, como é habitual nestas coisas, houve, também, encontros menos felizes. Alguns menos desejáveis. Completos desafios à minha integridade e seriedade. Tentei lidar com eles da melhor maneira que consegui. Mas não foi fácil. Não foi nada fácil. Tanto que deu vontade de desistir. Pensei que talvez estivesse a construir uma história que me fosse dar mais problemas do que mais nada. Houve alturas em que temi. Em que quis pegar no telefone e desmarcar tudo com todos aqueles que com quem já tinha falado. 

Mas, porra! Aí entra o fator emocional. A perseverança. Nem que esteja a cair, tem que se seguir em frente. E foi isso que fiz. Segui em frente, meio a tremer, mas fui. 

Fui e nesse continuar dei de caras com Alexandre Nunes. Um motivador nato e que tem em si um amor tão próprio pelo Estrela, que me cativou. É por pessoas como ele, o Rui Neves, o João Silva, o Tóni, o Rebelo, o Pedro e tantos outros que se tem de continuar.

E continuei. As entrevistas sucederam-se e a partir de Julho estava a começar a editar.

As modalidades foram sempre importantes no Estrela da Amadora. Tão importantes que tentei incluir mais algumas no trabalho, mas acabou por não ser possível. No entanto, estas ficaram muito bem representadas pelo râguebi e pelo ténis de mesa. Aliás, não posso deixar de agradecer às pessoas ligadas ao ténis de mesa. Testemunhos maravilhosos, onde o campeão europeu de 2014, Tiago Apolónia, fez, também, questão de participar nesta história, mesmo estando na Alemanha.

Mas a maior surpresa ainda estava para acontecer: nem nos meus melhores sonhos poderia imaginar que iria falar com o Fernando Santos... Sim. O tal campeão europeu em 2016. Um autêntico presente feito de uma generosidade, a qual vou agradecer sempre. 

A ideia de um filme de duas horas era o objectivo. No entanto, nem isso, foi levado até ao fim. Restringimentos de tempo, mas também outras contingências, que não importa aqui referir, deram-me uma outra ideia: então e se contasse esta história por episódios? Uma série documental. Porque não?

Toca a mudar o processo de trabalho e de criação. A trabalhar contra-relógio. As últimas confirmações. O cuidado com o discurso. Refazer o texto. Mas sempre com o propósito de deixar os protagonistas contarem a história na primeira voz. 

"Clube de Futebol Estrela da Amadora - O Reviver da História", até o título foi obra do acaso, trouxe uma experiência à qual, para sempre, estarei grata. Uma história onde, para além de contar aquilo que foi o clube, pretendeu reconhecer aquilo que alguns deram, e foi tanto, ao próprio Estrela da Amadora. Uma espécie de homenagem a quem amou, verdadeiramente, o Estrela, independentemente de tudo o resto. Penso que saberão quem são...

Grata:
Por todos aqueles que aceitaram participar neste trabalho. Por todos aqueles que foram importantes e contribuíram de alguma forma para o documentário. Por todas as conversas, pela partilha, pela palavra na hora certa, pela paciência, pelas brincadeiras, mas, principalmente, pela construção de uma relação de confiança. Pelos momentos que vivi. Pelas histórias que ouvi. Pelos segredos que guardo. Por tudo aquilo que tive a oportunidade de assistir. Mas, fico também grata, pelos momentos mais duros. Pelas incertezas. Pelas conversas menos saudáveis, por todas as vezes que consegui desviar-me do engano. Mas, também, pelas dúvidas. Embora a dúvida esteja sempre presente, ela é, também, um factor importante, porque é ela que nos faz estar mais atentos, mais cuidadosos, é ela que nos leva a querer superar-nos sempre. É ela que nos leva a querer fazer sempre melhor. 

"Foi muito perto de casa". Regressar ao passado, recordar como era bom passar aquelas horas no Estádio José Gomes quando era pequena. Talvez tenha sido por isso que fazer este trabalho me tenha marcado tanto. Aliás, exemplo disso é o facto de estar a escrever este texto, uma vez que nunca o fiz, relativamente, a qualquer outro trabalho. Dizem que realizar um trabalho jornalístico a algo que tenhamos uma ligação emocional pode ser um erro. Talvez. Talvez isso seja um erro. Talvez isso nos tolde, por vezes, o pensamento. Talvez isso nos traga mais alegrias, mas, por vezes, mais angústia e revolta. No entanto, se não nos ligarmos emocionalmente ao trabalho, garanto, que este não será feito da mesma forma. Há algo que o distingue e eu acho que este trabalho demonstra isso mesmo.

Apesar de falar deste documentário com orgulho, tenho sempre a consciência de que poderia ter feito ainda melhor - com mais disponibilidade. 

Foram meses de trabalho. 
Horas de entrevistas.
Meses com o Estrela no estúdio e em casa.

Talvez seja por isso que eu veja este documentário como um filho que gerei. Ele já nasceu, atingiu a sua maioridade e agora vejo-o partir para que este faça o seu caminho. E isso deixa-me com um sentimento meio indefinido, o qual é uma mistura de contentamento, nostalgia, de orgulho mas, também, de grande saudade. 

Têm surgido ideias para que isto não fique por aqui. Para que cresça para outro formato. Mas agora ainda não é tempo tomar uma decisão acerca dessas possibilidades. O tempo o dirá.

Uma palavra especial ainda para o meu grupo de "revisores" sempre atentos: Alexandre Nunes, Joaquim Rebelo e Pedro Simões. Sem vocês toda esta aventura não teria sido, de todo, a mesma. Obrigada não só pela vossa "revisão", mas, também, por tudo o resto.

Nem sempre é fácil encontrar motivação para nos levantarmos todos os dias para irmos para o trabalho. Este ano, o Estrela da Amadora, foi essa motivação. Por muito que estivesse a passar por uma fase conturbada, no final do dia havia sempre aquela certeza: "tenho de trabalhar o Estrela" e isso dava-me logo mais alento. 

Respondendo à questão que dá o título a este texto/desabafo - "Há vida para além do Estrela?" -  Há. Mas, com toda a certeza, que não vai ser a mesma coisa.

Comentários

  1. O Estrela desapareceu “fisicamente”...mas ficará pra sempre na memória de milhares de amadorenses e principalmente milhares e milhares de portugueses,porque o Estrela balnear só da Amadora, era o Estrela que andava por Portugal inteiro a espalhar o nosso nome! Serei para sempre grato ao meu Estrela,por tantas alegrias e neste documentário chorei algumas vezes...por ver a alegria que senti tantas vezes...e agora...nada! Há um vazio, uma falta que não consigo compensar! Mas o Estrela estará sempre comigo...
    OBRIGADO! E acredito mesmo que qualquer um dos participantes neste documentário irá voltar ao Estrela, ao CD Estrela e irá ajudar este clube a crescer como o “seu irmão mais velho”...

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    1. Tiago, fico feliz de que tenha gostado do trabalho. Foi um gozo enorme. Para sempre fica a história, como disse o Fernando Santos! ;)

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